Dr. Claudio M. Martins

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Obesidade: Uma questão de honra



Entrevista com Dr. Cláudio Meneghello Martins

Qual a diferença entre a pessoa que sofre de obesidade e aumento ponderal?

O conceito de obesidade está caracterizado por um acumulo excessivo de gordura no corpo, utiliza-se de forma geral que percentuais acima de 20 a 25% de gordura da massa corporal enquadraria a pessoa num processo de obesidade. Os diversos segmentos profissionais (como: endocrinologistas, cardiologistas, nutrólogos, psicoterapeutas, médicos esportivos, nutricionistas, professores de educação física, etc...) que lidam com a doença estão constantemente em função com tabelas variadas de relação de peso e altura agregados à massa óssea e muscular entre outras variáveis utilizadas para aferimento mais adequado de cada caso. Entretanto um ponto que me parece fundamental é o que relaciona o percentual de obesidade com a imagem corporal que a pessoa faz de si. Pois a clínica demonstra que a maneira que as pessoas vivenciam os seus transtorno alimentar é muito particular. Ou seja, dois indivíduos com características físicas obesas semelhantes podem ter respostas emocionais bem diferentes em relação a sua doença. Pesquisas recentes nos Estados Unidos têm apontado que problemas relacionados à imagem corporal afetam tanto homens quantas mulheres, bem como estão presentes nas diversas camadas socioculturais. Portanto o que para alguns pode se transformar numa tragédia existencial gerando isolamento, constrangimento, baixa de auto-estima, ausência de convívio social entre outras alterações afetivas-comportamentais necessariamente não se repetirá universalmente. Já que existem os famosos “gordinhos” felizes, isto é, os que estão adaptados na sua imagem corporal e conseguem realizar a sua vida de uma maneira prazerosa. Em nosso país temos um exemplo público muito conhecido que é o caso de humorista Jô Soares, que tentou ser magro e conseguiu uma redução muito significativa de seu peso corporal, entretanto não conseguiu absorver a sua nova imagem corporal de “magro”, retornando ao seu bem estar com o seu quadro de obesidade.

Quando a obesidade pode ser considerada patológica?

Um ponto importante a ser ressaltado é que a obesidade é uma condição crônica entre um grande número de pessoas que sofre da doença, com características de recorrência associada com hábitos alimentares e vida sedentária. Um instrumento internacionalmente utilizado é a escala do IMC (índice de massa corporal) representaria a massa corporal em graduações de aceitável, baixa, moderada, alta, muito alta e risco. O grau de obesidade que vá gerando um agravamento da doença implica em riscos de disfunções bio-psico-sociais. Pois, vejamos a obesidade pode contribuir para o desenvolvimento de complicações orgânicas sérias, como por ex: diabete, hipertensão, doenças cardiovasculares entre outras. Agrega-se a isto o processo de complicações psicossociais, onde está presente uma baixa auto-estima que se reforça no estigma social que muitas vezes o “obeso” se vê colocado inclusive com dificuldades de aceitação no mercado de trabalho bem como um isolamento de contatos sociais, implicando em dificuldade de namoro. Especialmente nos casos de adolescentes há algumas vezes um atraso no seu desenvolvimento psico-sexual, já que justamente na fase de ampliação do conhecimento de sua sexualidade este se vê tolhido em exercer relações sexuais. Não é incomum jovem que no período do verão entram em crises de ansiedade intensa, com o temor de terem que expor o seu corpo obeso na praia. Alguns chegam a apresentar um quadro de afastamento social total, gerando angústia em todo grupo familiar que muitas vezes acaba entrando no processo, ou seja, para não ampliar o sofrimento do “obeso” abrem mão das férias de verão. Evidentemente que isto se torna um ciclo vicioso de alívio e agravamento da doença, podendo se desenvolver igualmente uma situação fóbica.

O que pode ocorrer com o indivíduo no círculo vicioso ganha peso e perde peso?

Por ser uma doença crônica o famoso efeito “sanfona” está presente num grande número de pacientes. Ou seja, uma vez estabelecido o diagnóstico de obesidade percebe-se que é uma condição que acompanhará a pessoa pela sua vida. Portanto tal qual o quadro das dependências químicas, não há cura e sim controle da sua compulsão alimentar. Hoje trabalhamos com um subtipo da obesidade que é o Transtorno de compulsão periódica que são indivíduos que apresentam episódios recorrentes de comer compulsivo com perda de controle associada. Eles têm sofrimento significativo e lutam contra o seu sintoma, e tal qual os dependentes químicos também apresentam a sua “black morning”, isto é, após os episódios de descontrole sentem-se profundamente culpados e incapazes, tomando-se de “mil” planos de alterações de hábitos alimentares e realização de atividades físicas. Alguns estudos mostram que os comedores compulsivos tendem a ter uma vida mais conturbada do que os indivíduos obesos de mesmo peso.

Qual a diferença entre os transtornos alimentares e transtornos depressivos?

Na busca contínua do entendimento do sofrimento humano a ciência médica vem avançando rapidamente na busca do conhecimento dos fenômenos que o originam. Se buscar instrumentos diagnósticos capazes de auxiliarem a nós médicos a termos uma linguagem em comum e assim identificarmos e diagnosticarmos as patologias de uma forma universal. Entretanto percebemos que os instrumentos (CID-10; DSM –IV e sucessores) estão num “continum” ajuste pois por mais que aperfeiçoemos tais instrumentos o universo humano é infindável nas suas particularidades do indivíduo. Assim que passamos a adotar o espectro das co-morbidades, ou seja, sinais e sintomas que caracterizariam mais de um transtorno no mesmo indivíduo. Neste particular há uma grande co-morbidade entre os transtornos alimentares e transtornos depressivos.

A grande dificuldade em muitos casos está em estabelecer o que se originou primeiro. Muitos pacientes apresentam os seus quadro de obesidade como “responsável” de seus males e lutam para tê-lo sob controle. Alguns o conseguem, entretanto neste ponto podem surgir complicações decorrentes de estados depressivos subjacentes que estavam mascarados pela obesidade. Lembro-me de um caso de uma jovem de 16 anos que apresentava um quadro de obesidade severa que implicava em dificuldades sociais (sentia-se excluída do grupo de colegas escolar, não conseguia realizar atividades físicas, desconforto geral o que a fez ir gradativamente se isolando). Atribuía todas as suas dificuldades ao seu transtorno alimentar e como não conseguia controlar a sua ingestão alimentar pressionava a mãe para que lhe pagasse uma “lipoaspiração radical”. Apesar de minha contra-indicação a tal cirurgia foi realizada, com retirada de cerca de 10 Kg de gordura dos seios e região abdominal. A seqüência foi trágica pois a jovem descompenssou e apresentou um quadro depressivo psicótico. Ou seja, devemos estar muito alertas para todos fatores de co-morbidade da patologia para abrangermos uma terapêutica que busque contemplar as diversas necessidades do paciente.

De que forma os transtornos alimentares podem estar agregados a outras doenças emocionais como depressão, ansiedade e transtorno obsessivo compulsivo? Qual o diagnóstico para esses casos e como tratá-los?

O leque dos transtornos alimentares é bem mais amplo que somente os quadros de obesidade, já que inclui os indivíduos portadores de anorexia nervosa e bulimia. Neste sucinto comentário, me prenderei a nossa temática que é a obesidade. Muitas pessoas obesas desejam perder peso e para isso tenta um variado arsenal de estratégias individuais até programas para perda de peso. Quando buscam o médico geralmente já se encontram num processo de sofrimento maior e certa desesperança em conseguir controlar o problema. Daí a importância de uma avaliação diagnostica apurada (onde é de fundamental importância se estabelecer tanto as co-morbidades quanto traços de personalidade do indivíduo) e assim poder buscar um plano terapêutico que tenha objetivo particularizado para cada pessoa. Programas de tratamento “massificados” tendem a falhar, pois não contemplam as necessidades individuais.

Como a etiologia da doença é multifatorial, temos que investigar os diversos elementos que colaboram para o desequilíbrio entre uma ingestão maior de calorias do que o gasto energético do indivíduo. Tem-se que 80% dos pacientes que sofrem de obesidade tem história familiar de obesos, o que indica tanto uma predisposição genética como modelos de identificação com pais obesos bem como modelos comportamentais de como manejar com a ansiedade.

Outro elemento a ser investigado na história do indivíduo são os fatores de como a doença se desenvolveu, ou seja, se é um padrão que acompanha desde a infância nos indicando que há um aumento do numero de células adiposas bem como do seu tamanho, já os quadros que se iniciam na idade adulta o que ocorre é um aumento das células adiposas.

Buscam-se modelos para entender a falência da homeostase do balanço energético e um deles é o que indica a falência no estímulo do sistema simpático. Os componentes deste sistema são o cérebro, o sistema que regulariza a digestão, absorção e metabolismos que regulam a informação de saciedade para o cérebro. Como este não recebe o “feedback” segue enviando estímulos para o indivíduo seguir se alimentando.

Entrando-se na seara comportamental psicológica, observa-se que os mecanismos que regulam a ingestão alimentar sofrem uma influência do ambiente, do meio cultural e familiar. Tem-se como um padrão da maioria que pacientes obesos podem ser caracterizados como pessoas emocionalmente perturbadas fazendo do abuso alimentar uma forma de manejar com os seus problemas psicológicos. Talvez este seja o ponto básico, para que a pessoa possa ter uma ampliação da sua capacidade de controle da ingestão. Ou seja, na medida que esta possa Ter recursos terapêuticos – tanto medicamentosos como psicoterápicos – que possam lhe auxiliar a enfrentar as outras patologias (no caso os Transtornos depressivos, ansiosos ou TOC) há um reforço para que indiretamente haja uma melhora no controle da ingestão alimentar.

Qual a conduta terapêutica dos distúrbios alimentares advindos dos estados de depressão?

Quando se projeta um plano de tratamento, este deve ser abrangente no sentido de envolver manejo comportamental-cognitivo, entendimento psicodinâmico e reforço psicofarmacológico. Ou seja, o ‘todo’ do indivíduo deve ser vislumbrado e tentarmos evitar a segmentação do paciente em patologias com o objetivo de atendermos as necessidades de nossos pacientes. No caso é evidente que temos que melhorar o estado de humor do paciente para que este possa ter energias para se enquadrar num plano terapêutico onde sejam incluídas atividades físicas e restrições dietéticas.


Data: 30/10/2006 - 14:23
Autor:: Dr. Cláudio M. Martins (Mestre em psiquiatria)


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